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terça-feira, 22 de novembro de 2011

Ainda sobre o Agnosticismo

Sir_Thomas_Henry_Huxley

Um texto de Thomas Henry Huxley *

É importante notar que o princípio do naturalismo científico da segunda metade do século XIX, que coroou o movimento intelectual da Renascença e foi primeiro formulado por Descartes, não leva à negação da existência de qualquer sobrenatureza, mas simplesmente à negação da validade da evidência aduzida em favor desta ou daquela forma existente de sobrenaturalismo.

Examinando o problema a partir do mais rígido ponto de vista  científico, a admissão de que, em meio à miríade de mundos espalhados pelo espaço infinito, não possa haver inteligência maior que a do homem, da mesma forma que a dele é maior do que a de uma barata; de que não há um ser dotado de poderes de influenciar o curso da natureza tão superiores aos do homem quanto são os do homem em relação a uma lesma, parece-me tão sem fundamento quanto impertinente. Sem ultrapassar a analogia com o que é conhecido, é fácil povoar o cosmo com entidades em escala ascendente, até atingirmos algo praticamente indistinguível da onipotência, onipresença e onisciência. Se nossa inteligência pode, em alguns assuntos, reproduzir indubitavelmente o passado de milhares de anos atrás e antecipar o futuro em milhares de anos adiante, está evidentemente dentro dos  limites do possível que alguma inteligência superior, mesmo que de ordem semelhante, seja capaz de retratar todo o passado e a totalidade do futuro; se o Universo é preenchido por um meio tal que uma agulha magnética na Terra responda a uma comoção no Sol, um agente onipresente é também concebível. Se nosso conhecimento insignificante nos permite alguma influência sobre os eventos, a onisciência prática pode conferir poder indefinivelmente maior. Por fim, se a evidência de que algo pode existir fosse equivalente à prova de que ele existe, a analogia bem poderia justificar a construção de uma teologia e demonologia naturalistas não menos maravilhosas do que a corrente sobrenatural, bem como a povoar Marte e Júpiter com formas de vida sem paralelo com as presentes na biologia terrestre. Até que a vida humana seja mais longa e que os deveres da imprensa atual sejam menos prementes, não creio que homens sábios ocupar-se-ão com a história natural joviana ou marciana; e eles provavelmente concordarão com o veredicto de “não comprovado" com respeito à teologia naturalista, resguardando-se na confissão agnóstica que, para mim, surge como a única posição possível para pessoas que se recusam a dizer que sabem aquilo que estão bem cientes de que não sabem. Em relação aos interesses da moralidade, inclino-me a pensar que, se a humanidade pudesse ser levada a comportar-se conforme esse último princípio em todas as relações da vida, uma reforma sem precedentes seria efetivada, uma aproximação do milênio que nenhuma religião sobrenaturalista jamais logrou alcançar ou parece capaz de algum dia atingir.

* HUXLEY, T. H. O Natural e o Sobrenatural. In: ______. Escritos sobre ciência e religião. São Paulo: Editora UNESP, 2009. p. 107-109.

4 comentários:

Vital Cruvinel disse...

Oi, Augusto!

As ideias de Huxley parecem ser bem interessantes e ponderadas, mas achei este texto um pouco confuso, ou pelo menos, pouco objetivo.

A última frase do texto me deixou pensativo. Será que a postura agnóstica tem mesmo potencial para efetivar "uma reforma sem precedentes"? Você consegue vislumbrar isso?

Abraço!

Unknown disse...

Oi Vital:

Não sou tão entusiasta e otimista quanto Huxley! Mas, compreendo o agnosticismo como a posição mais ponderada no que diz respeito a temas para os quais não temos evidências suficientes.

Compreendo igualmente que esse posicionamento pode gerar um comprometimento ético com a tolerância; mas que este não é uma consequência necessária do primeiro.

O texto talvez pareça confuso, porque é apenas um excerto... minha intenção era apenas despertar o interesse pelo autor.

Um abraço! A.

André Rocha Lopes de Souza disse...

Olá Augusto,
gostei do texto, me lembrou o Feuerbach, com sua teologia humanista. O pensamento do agnóstico poderia ser sintetizado assim: a dúvida como fundamento da verdade.
Não conhecia o autor, mas já gostei das idéias dele. Eu poderia dizer que essa postura agnóstica é fundamental para o cientista da religião ?
Até mais

Unknown disse...

Oi André!

Uma curiosidade: o Huxley foi o primeiro pensador a utilizar o termo 'agnosticismo' no sentido que fazemos hoje. Foi um grande defensor de Darwin e da teoria da evolução das espécies, também. Um cara bacana de se ler.

Sobre sua pergunta: eu penso que atividade científica, seja ela qual for, precisa estar calcada num 'agnosticismo metodológico'. No caso específico da Ciência da Religião isso é ainda mais necessário. Mesmo que o cientista da religião tenha uma crença religiosa, em minha opinião, ele deve olhar seu objeto com o máximo de isenção possível. Isso não é muita coisa, diga-se, já que isenção completa é impossível. No entanto, ele deve esforçar-se para não julgar seu objeto - seja sua crença ou a de outros - a partir de um conjunto dogmático qualquer.

Se você der uma olhada nas primeiras postagens do blog verá alguns comentários sobre isso.

Um grande abraço! A.