Todo ano é assim: vai chegando o mês de outubro, com a proximidade da Festa de São Francisco de Assis, começam a montar o parque de diversões na minha rua. Nos dias da novena, os sinos da Igreja do Convento tocam antes das missas, chamando os devotos. Até parece que estou nas ‘Minhas’ Gerais!
O meu texto 'Reflexões de um Agnóstico' alcançou alguma repercussão. E muita gente ficou acreditando que parte de minha declaração de agnosticismo poderia estar relacionada a alguma decepção ou algum problema mal resolvido frente à religião. E, outro dia, um amigo classificou-me de “teofóbico” já que, segundo ele, eu sempre reagiria de forma negativa frente a seus posicionamentos teológicos.
Nada, porém, anda mais distante da verdade. Aqueles que conhecem minha história de vida sabem que, em grande parte, ela foi marcada pela busca da compreensão da religião. Primeiro como adepto de alguns movimentos religiosos. Depois pelas vias da Filosofia e da Ciência da Religião. Como religioso acumulei alguma experiência: nascido em família católica, no interior das Minas Gerais, fui coroinha, catequista e seminarista franciscano. Desejei ser monge e eremita. Flertei com o cristianismo protestante, com o espiritismo e o budismo. Li o ‘Corão’ antes que falar de fundamentalismo islâmico fosse moda. Estudei o judaísmo. E, nos últimos anos, fui ligado ao gaudiya vaisnavismo [popularmente conhecido como movimento Hare Krsna].
Em todas essas experiências – como aliás, em todas as experiências humanas – houve aspectos positivos e aspectos negativos. Esses últimos, na maioria das vezes, ligados às instituições e às disputas internas por poder e prestígio por lideranças que frequentemente se esquecem dos ideais que deveriam exemplificar com a própria vida. De resto, meu trânsito religioso aproximou-me de pessoas maravilhosas das quais até hoje sou amigo e pelas quais nutro, muitas vezes às distância, afeto e respeito profundos. Além disso, grande parte do que sou hoje, minha sensibilidade estética, meu interesse pelo estudo e pela pesquisa, meu amor pelos livros e minha busca pela verdade, foi despertado e cultivado em minha convivência com pessoas e instituições religiosas. Desse modo, tenho mais memórias regadas a bons sentimentos que mágoas e revolta em relação ao fenômeno humano da religião.
Esses dias, muitas boas memórias têm aflorado em mim. Aqui na Campina Grande sou vizinho do Convento São Francisco de Assis, onde os franciscanos mantêm uma paróquia. E, como acontece todo ano, entre o final de Setembro e início de Outubro celebra-se a novena do padroeiro. E todos os dias, antes da missa das 19 horas, os sinos tocam por cerca de cinco minutos e despertam em mim o sagrado sob a forma de pura afeição e saudade. Não que, para mim, São Francisco seja mais santo que meu pai que lutou, junto à minha mãe, para educar a mim e meu irmão com ética e decência. Mas porque o som dos sinos e a festa franciscana reverberam em mim com o som de mil lembranças.
A infância nas Minas Gerais quando eu, coroinha aos nove ou dez anos de idade, na capela do bairro onde morávamos (e onde meus pais ainda hoje residem), me dediquei a aprender as “artes do altar” e com grande prazer tocava a velha sineta, enquanto contemplava o povo subindo a ladeira para começar a louvação. A adolescência no Convento, onde o sino nos convocava para todos os atos comunitários, da reza à refeição. E onde, todo dia 03 de Outubro, cantávamos o “trânsito de São Francisco” celebrando a vida e a morte do “pobrezinho de Assis”:
Em sua cabana, numa noite de outono, São Francisco morreu cantando… a voz que clama ao Senhor… o pobrezinho entregou sua alma: – “Que a nossa irmã, a morte, seja bem acolhida… como a gente acolhe o sono depois de um dia bem ocupado”… (Trecho da Liturgia do Trânsito de São Francisco de Assis)
É por isso que, para mim, o som dos sinos têm um encanto especial: eles recordam-me a terra natal, o coração das ‘Minhas’ Gerais. Mas, não apenas isso. Os sinos remetem-me ao que de mais essencial há em mim. Eles recolhem a minha história, minha memória e mostram-me inteiro, íntegro. Recordam-me a matéria da qual sou feito e os sonhos que ainda vivem em mim.
Sim, eu sou agnóstico, mas meu agnosticismo não nasce da mágoa ou se alimenta do ressentimento que querem me atribuir. Sou um pouco maior que isso…
4 comentários:
sem falar no tempo do curso de filosofia em são joão del-rei quando acordava às 6 da manhã (ou ia dormir) ao som dos mesmos!
isso mesmo savinho! hehehe... teve são joão del-rei... teve juiz de fora, na época do mestrado, quando ouvia os sinos da igreja da glória... aff! acho que vou ter de fazer um 'update' na postagem! hehehe...
p.s.: você recebeu a atualização no seu e-mail?
... muito maior que isso! Bonito texto, Augusto!
Agora eu fiquei com uma curiosidade: entre os agnósticos quantos passaram por experiências religiosas? e entre estes quantos tiveram más experiências?
Vital, obrigado pelo carinho de sempre!
Olha, essa é uma excelente pergunta... daria uma boa pesquisa! hehehe...
Acho que teríamos boas surpresas.
Abraço.
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